Cognição Social Fora do Laboratório Não é Peixe Fora de Água: O caso do efeito de Ancoragem

A aplicabilidade da investigação laboratorial a contextos “reais” é um problema
extensamente discutido nas ciências sociais, em particular na psicologia experimental e
cognição social. Ou seja, até que ponto os estudos feitos em ambientes artificiais nos
permitem retirar conclusões e aplicações em contextos “reais”? Propomos neste artigo
contribuir para a desmistificação deste “problema”, recorrendo ao caso do “efeito de
ancoragem”. O efeito de ancoragem – a assimilação de uma estimativa numérica sobre
um alvo a um valor-standard – descrito inicialmente por Tversky e Kahneman (1974),
cedo se revelou um efeito experimental extremamente consistente e com grandes
implicações práticas. São, por isso, apresentados exemplos de manifestações do efeito
de ancoragem em diversos contextos, como em decisões de consumo, económicas ou
judiciais. Exploramos, também, as principais hipóteses explicativas do efeito de
ancoragem, e em que medida estas teorias e testes às mesmas, permitiram compreender
o fenómeno e gerar evidências das suas manifestações nos mais variados contextos
aplicados.

(Re) distinguir as Heurísticas da Representatividade e da Disponibilidade: Quando Representatividade, Quando Disponibilidade?

Uma das ideias iniciais do programa de investigação “heuristics and biases” era descrever os processos cognitivos subjacentes às heurísticas da Representatividade, Disponibilidade, e Ancoragem e Ajustamento (Tversky & Kahneman, 1974). Um aspecto essencial a esse objectivo era a associação inequívoca de enviesamentos específicos a cada uma das heurísticas. Contudo, muitas vezes estes enviesamentos podiam ser explicados por diferentes heurísticas. Este problema de sobreposição é especialmente saliente no caso da Disponibilidade e da Representatividade, embora a investigação sobre esta questão tenha sido abandonada precocemente. Posto isto, o principal objectivo deste projecto é rever as concepções iniciais da Disponibilidade e Representatividade de acordo com a investigação mais recente, para chegar a uma separação conceptual clara entre as duas heurísticas, e contrastá-las empiricamente. Propomos, então que a Representatividade seja considerada enquanto processo de correspondência/semelhança com um protótipo baseado na memória (com implementação no MINERVA-DM – Dougherty, Getty & Odgen, 1999) e que a Disponibilidade seja equiparada à influência directa da informação acessível nos julgamentos, à semelhança dos efeitos de priming (e.g., Higgins & Bargh, 1987). Para testar esta hipótese é proposta uma série de estudos a partir de problemas de probabilidade, sobre a ocorrência de um de dois eventos possíveis, onde se incluem contextos de decisão associados ao “hot-hand effect” (Gilovich, Vallone & Tversky, 1985) e à falácia do jogador (Tversky & Kahneman, 1971).

O Processo de Sobreendividamento: Uma Abordagem Socio-Cognitiva - J. P. Niza-Braga, & J. M. Palma-Oliveira

Um dos problemas sociais decorrentes da crise económica actual é o número crescendo de sobreendividados. Um grande número de consumidores sobreendividados tem sido acompanhado pela DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor e tem sido objecto de vários estudos de cariz sociológico que procuram explicar este fenómeno (Frade et al., 2003; Frade et al., 2008). A desconsideração de variáveis psicológicas nos estudos e intervenções sobre este grupo de consumidores permitiu o desenvolvimento do projecto de investigação que nos propomos a desenvolver. Partindo de um modelo de Stress ambiental (Palma-Oliveira, 1992), de um modelo de decisão em crise (Sweeny, 2008) e da Teoria dos Níveis de Construção (Trope & Liberman, 2000) articulamos uma alternativa explicativa psicológica para o fenómeno de sobreendividamento observado. Especificamente propomos que os sobreendividados se encontram em situação de crise/stress, o que induz um tipo de processamento de baixo nível que irá dificultar as decisões que envolvam a consideração de consequências a longo prazo.

“Longe dos Olhos, Longe do Coração” - J. P. Niza-Braga; Soro, J.; & Palma-Oliveira, J. M.

“Longe dos Olhos, Longe do Coração”: A teoria dos níveis de construção e a relação entre percepção de distância, identidade local e entitatividade.

No âmbito de um estudo psico-social sobre os bairros de Lisboa foi proposto que os sentimentos de identidade local elevada estariam associados a atitudes mais negativas em relação a outros bairros e que essas atitudes negativas se reflectem na sobrestima da distância em relação esses bairros, enquanto os bairros com atitudes positivas seriam percebidos fisicamente mais próximos (estudo 1). Num segundo estudo procurou-se articular a literatura sobre cognição espacial e percepção de distâncias com a construal level theory (Trope & Liberman, 1998), esperando-se que os bairros percebidos como fisicamente mais próximos fossem, também, percebidos em termos de características de baixo nível-de-construção e por isso baixa entitividade, enquanto os bairros percebidos como distantes deveriam ser representados num nível-de-construção elevado e percebidos como grupos de elevada entitividade. Os resultados embora pouco consistentes apoiam as nossas hipóteses, e são discutidos quanto às suas implicações teóricas e práticas.

Caracterização Psicossocial do Público-Alvo da Campanha de Sensibilização para a Redução do Consumo Energético da DECO (2008) - J. P. Niza-Braga, 2009

No âmbito de um projecto de sensibilização para a redução do consumo de energia eléctrica (DECO, 2008), foi realizado um estudo de diagnóstico e caracterização psico-social do público-alvo da campanha de modo a permitir o desenvolvimento de estratégias de mudança comportamental mais eficazes. Foi construído e aplicado a 105 sujeitos um questionário que procurou conhecer os comportamentos, atitudes, crenças e percepções do público-alvo em relação ao ambiente, aos problemas ambientais e ao consumo de energia eléctrica. Os resultados obtidos permitiram caracterizar o público-alvo como socioeconomicamente homogéneo, apresentando atitudes extremamente favoráveis em relação à protecção do ambiente e redução do consumo de energia eléctrica e elevada percepção de risco em relação aos perigos ambientais. No entanto, apenas as vantagens económicas percebidas nos comportamentos energeticamente eficientes se mostraram positiva e significativamente correlacionadas com a frequência desses comportamentos. Estes e outros resultados obtidos neste estudo permitiram sugerir e definir novas estratégias de comunicação persuasiva e mudança comportamental, mais eficazes e adequadas às características psicossociais do público-alvo da campanha.

Persuasão e Defesa Cognitiva em Crianças: Uma Revisão - J. P. Niza-Braga, 2009

Foi proposta uma reflexão sobre a capacidade das crianças entenderem e gerarem defesas conscientes contra as estratégias de marketing e publicidade a que são expostas. Foi realizada uma análise da questão com base numa revisão de literatura que integra os estudos mais recentes na área. Várias experiências parecem sugerir que apesar de existirem diferenças sócio-cognitivas associadas à idade, não existem diferenças na influência que a publicidade exerce nas crianças. No entanto este paradoxo deve-se à adequação da publicidade ao tipo de processamento da mensagem persuasiva que as crianças fazem, às estratégias de condicionamento avaliativo (mudança de atitudes implícitas) utilizadas em grande parte da publicidade, e ao facto de que, pelo menos até aos 12 anos, não existirem evidências de que as crianças compreendem a intenção de persuasão, pelo que não poderão controlar os seus efeitos no seu comportamento.

O Efeito de Ancoragem Enquanto Activação/Monitorização: Ancoragem Sob Pressão - J. P. Niza-Braga, 2009

O efeito de ancoragem – a assimilação de um julgamento a um standard numérico – tem sido atribuído à elevada acessibilidade da informação sobre o alvo consistente com a âncora no momento do julgamento absoluto sobre o alvo. A hipótese de acessibilidade selectiva postula que a activação dessa informação consistente com a âncora se faz por de teste-de-hipótese confirmatório de que o alvo é igual à âncora (Strack & Mussweiler, 1997). No entanto, é aqui proposto que a teoria da activação/monitorização (ex. Roediger & McDermott, 1995) também explica esse fenómeno de activação e acessibilidade através de um processo de recuperação por pistas compósitas que incorporam alvo+âncora, propondo, ainda que a monitorização dessa activação permite uma correcção parcial do enviesamento. É proposta uma metodologia que permite contrastar estas duas teorias, levando os sujeitos a responder às duas perguntas do paradigma em condições de pressão temporal. Assim, a teoria da activação/monitorização prevê um aumento do efeito de ancoragem, uma vez que a monitorização seria afectada pela pressão temporal, e a hipótese de acessibilidade selectiva prevê uma diminuição do efeito de ancoragem, uma vez que a pressão temporal afecta o teste-de-hipótese confirmatório de que o alvo é igual à âncora. O efeito obtido nessa manipulação será comparado a uma replicação do estudo 3 de Mussweiler e Strack (1999), que mostrou ancoragens idênticas numa condição sem pressão temporal e numa condição de pressão temporal apenas na pergunta comparativa. Espera-se deste modo contrastar as duas teorias, recolhendo evidências dos processos de correcção que apoiem a teoria da activação/monitorização e refutem a hipótese de acessibilidade selectiva enquanto explicação do efeito de ancoragem.
Palavras-chave: ancoragem, hipótese de acessibilidade selectiva, teoria da activação/monitorização; pressão temporal, monitorização.